e sobre limites que (talvez?) precisamos estabelecer
Juliana Marins não morreu na Indonésia porque uma mulher negra brasileira.
ela morreu porque estava num passeio de alto risco num país que não oferece segurança e suporte aos turistas e que claramente não tratou seu inicial desaparecimento com a urgência necessária.
este não é um texto pra falar sobre ela ou julgar suas escolhas de viagem. este texto é pra sugerir uma reflexão porque talvez a gente esteja indo longe demais na vontade de vivenciar experiências inesquecíveis.
em algum momento nos últimos oito ou 10 anos, o fenômeno conhecido como FOMO é a única explicação que consigo aplicar pra situação muito específicas em suas características.
FOMO, ou Fear Of Missing Out, é uma familiar sensação de "estar perdendo" algum momento importante ou divertido. sabe quando você não tá a fim de ir no aniversário de um amigo, ou no samba do fim de semana, ou até num show, mas vai porque é vencido pela ansiedade de ficar em casa pensando no que pode estar perdendo?
um pouco como "prefiro me arrepender de ir do que de não ir", saca?
meu maior FOMO da vida foi quando um estrupício (nome carinhoso dado aos leitores dos meus antigos blogs) estava em São Paulo, me convidou pra jantar, depois um bar e, por fim... fiquei numa ressaca horrorosa no dia seguinte e avisei no trabalho que apareceria no horário do almoço.
no entanto, na noite anterior, enquanto eu alternava gins tônica e shots de Jägermeister, o arrombado do Temer tava sendo exposto na escuta com o Joesley Batista em pleno Jornal Nacional. quando finalmente fui fuçar o Twitter depois das 10h da manhã, uma cachoeira de adrenalina jorrou no meu cérebro e foi como se tivesse perdido o primeiro pouso do homem na lua porque não quis ficar acordada.
isso é o FOMO e ele aparece nas mais variadas circunstâncias, como pular carnaval em bloquinho em São Paulo e viajar no final do ano. a chance do perrengue ser maior que a diversão é grande, e mesmo assim poucos abrem mão.
e, depois da pandemia, acho que desenvolvemos um FOMO específico no turismo.
primeiro eram aquelas fotos PA VO RO SAS de gente agarrado em leão sedado e dando beijo em golfinho. outro exemplo são as viagens em que o turista passa dois dias em cada cidade e, em apenas 13 dias, ele conhece mais países na Europa do que Hitler conseguiu invadir em seis anos de guerra.
depois vieram as histórias de viagem que desafiam nossa noção coletiva sobre Indiana Jones. porque cada vez que alguém vai pra Tailândia ou pro Marrocos, mais e mais eu me vejo dentro de um plot alternativo de "A Última Cruzada".
(o homem penitente passará, o homem penitente passará)
em dezembro de 2024 minha amiga Talita e eu fomos pra Fernando de Noronha. adoramos tudo, todo dia era um embasbacamento diferente com o visual IMPOSSÍVEL da ilha, super preservada.
no entanto, é uma viagem de aventura. a não ser que a pessoa vá pra ficar de boa numa lancha ou num hotel boutique, Fernando de Noronha o tempo todo mostra que o turista é um
CONVIDADO.
porque os tubarões vêm até o rasinho se fartar de peixe quando cai a tarde. o acesso às praias pode ser muito difícil e, na maior parte delas, não tem um quiosque, um guarda-sol, um nada.
nada de nada. é o turista quem tem que andar de lá pra cá com sua águas, seu pacotinho de damasco e nuts, sua pepsi black, seu shake de proteína.
sem contar que é um tal de sobe pedra, caminha, desce pedra, aí ladeira de paralelepípedo. quase me estabaquei várias e várias vezes; ainda é um mistério que eu tenha voltado inteira.
no meu entender Fernando de Noronha não é um bom destino turístico pra crianças menores de uns 10 anos. ou pra turistas seniores na certidão de nascimento. ou pra pessoas muito sedentárias.
e tudo bem, sabe?
se antes viajar era sinônimo de relaxamento e tranquilidade, agora até um fim de semana de frio e chuva em Peruíbe precisam ser recheados de acchievements, "conquistas".
"aahh, você vai pra Pirapora do Bom Jesus? menina, não deixa de provar o pastel de calabresa na barraquinha da Neide. é de comer ajoelhado! é ÚNICO, você TEM QUE IR!"
a verdade é que você não "tem que" nada. faça o que te der na telha, o que realmente dá vontade, o que vai tornar a experiência inesquecível pra você, na sua memória.
e desapegar da realização literal dos sonhos. nem sempre vai dar pra fazer tudo exatamente como você, um dia, imaginou, seja por dificuldades financeiras, físicas, mentais ou quaisquer outras.
você pode conhecer a Austrália e riscar fora a parte de "nadar com tubarões brancos".
e tudo bem, sabe?
vou sempre defender que as mulheres possam fazer a viagem que bem entenderem sozinhas. é delicioso, necessário e JUSTO. uma mulher decidir viajar sozinha, pra onde ela quiser, precisa ser defendido como um DIREITO que nós temos, é uma questão de justiça mesmo.
mas acho que vale ponderar sobre como aproveitamos o que esse mundão nos oferece.
sempre saber que somos convidados. que nem tudo é feito pra tocar, pegar, pagar, comprar. há belezas e experiências inesquecíveis à espera de todos nós e que demandam apenas apreciar ao longe.
não dizem que o melhor de viajar é voltar?
este texto foi escrito depois de mil horas conversando com a Talita, desde a viagem pra Noronha.
vou adorar saber o que vocês acham de tudo isso. deixa um comentário, dá like, assina, compartilha e bate um bolo?
mais um texto maravilhoso, rachel!! também tenho muito FOMO mas não sou muito de viajar. gosto de cidade grande... porém me peguei pesquisando passagem pra fdn kkkkkkkkkk