faço coisas pra Rachel do futuro
e este post não tem a ver com saúde
na sexta-feira abri meu notebook e a tela tinha se esbagaçado pela 3a vez em pouco mais de seis meses.
fiquei olhando pela janela do apartamento, vendo os prédios e o céu com aquele azul infinito dos dias secos de outono.
é meio impossível não deixar que pensamentos como “o que tem de errado comigo?” e “por que eu sou assim?” não tumultuem a minha cabeça. o disco riscado com a voz dos meus pais repetindo que sou desleixada, desligada, desatenta e que não sei cuidar bem das minhas coisas também ecoava lá no fundo de música ambiente.
na primeira vez que aconteceu, Mop tinha derrubado o note. não tinha dinheiro, pedi emprestado, mandei consertar, comprei uma capa de acrílico e passei a guardar a máquina envolvida em plástico bolha dentro do guarda-roupas.
na segunda vez, menos de uma semana após o conserto, eu não fazia ideia do que era. não concebia o que poderia ter acontecido; parecia uma brincadeira de mau gosto, estúpida. chorei e mandei consertar de novo, pagando em três vezes suaaaaadas.
desta última, fiquei alguns minutos avaliando minha vida, minhas escolhas, tudo.
num momento em que ainda estou desempregada, catando uns frilinhas safados aqui e ali, sem nenhuma ideia do que fazer e querendo muito jogar no lixo a carreira de 17 anos na publicidade, essa tela destroçada parece um pouco a madeleine icônica que levou Proust a escrever seus sete volumes buscando o tempo perdido.
lembrei que na noite anterior, já meio tonta de sono, fui fechar o notebook pra guardar e a tampa não “fechou”: ficou um mísero centímetro mais alta. não prestei atenção, tinha corrido sete quilômetros e feito uma aula de funcional com direito a burpees.
no dia seguinte, olhei para o teclado tentando entender porque o display apresentava aquelas linhas e faixas em toda a tela e vi uma unha de gato, dessas que eles afiam pelos estofados da casa e, às vezes, lascam quase inteiras.
desde que Bacon, meu primeiro cachorro, morreu de forma repentina antes dos cinco anos - cheguei em casa e o encontrei deitadinho na cozinha, já um pouco rígido -, comecei a guardar pedaços que meus filhos deixam pela casa: unhas, dentes, uma mechinha de cabelo com nós que cortei do Mop. em 2014, Bacon havia deixado um bigodinho em cima do meu travesseiro no dia em que faleceu e o hábito começou.
essa unha específica eu tinha encontrado no dia anterior e, por algum motivo, sobrou sobre o teclado e a tela não resistiu ao ser fechada.
pensei em jogar a unha fora. pensei em jogar a caixinha onde guardo as recordações dos meus filhos no lixo. mas o pensamento durou meio segundo; jamais teria coragem de fazer isso, me arrependeria demais, demais.
resignada com o mais novo rombo financeiro, fui até a gaveta onde a tal caixinha fica.
acabei dando de cara com papéis soltos que, num surto de arrumação meses antes, decidi que os queria À MÃO porque talvez precisasse de um REFORÇO DE CONFIANÇA no futuro.
são redações do colégio, sempre com notas máximas; um bilhete de uma amiga querida dizendo que me amava; um cartão de aniversário da turma de mulheres do meu primeiro emprego; uma notificação de vestibular.
enquanto manuseava as folhas, fui resgatada por uma voz dentro da minha cabeça dizendo exatamente assim:
EU QUERO QUE VOCÊ SAIBA QUE ESTÁ TUDO BEM COM VOCÊ E COM A SUA VIDA.
repeti em voz alta: eu quero que você saiba que está tudo bem com você e com sua vida.
guardei a unha na caixinha.
ps1: este texto foi escrito no celular.
ps2: talvez este canal precise se tornar pago em breve. não eram os planos fazer isso tão cedo, mas nossos planos pessoais pouco interessam aos boletos.